segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A caminho da intimidade

Crônica
Foto por: Rodrigo Neri de Mattos

Em nenhum outro lugar além do transporte público é possível ficar tão íntimo de gente desconhecida. Se você pega o mesmo ônibus com frequência, acaba criando um tipo de vínculo com pessoas que não sabe nem o nome. Você esbarra nas pessoas quando esta cheio de sacolas, se aperta contra elas na “hora do rush”, pede desculpa quando pisa no pé delas, ouve desculpas quando pisam no seu pé e pede “licença, licença!” quando o seu ponto esta chegando . 

Tem gente com quem você pega ônibus que te conhece melhor do que os seus amigos. Eles sabem qual é sua disposição pela manhã e quando volta do trabalho. Esses desconhecidos conhecem outro lado da sua personalidade, porque o comportamento dentro de um ônibus pode revelar coisas surpreendentes sobre as pessoas. Se você se levanta quando entra um idoso, se fica impaciente quando o ônibus demora a sair do terminal porque um deficiente físico precisa de auxílio para se acomodar, se segura os livros de um estudante que esta de pé, se pega o óculos que a moça deixou cair no chão, se deixa lixo no banco do ônibus... Isso tudo pode revelar se você é solidário. 

Mas é no ônibus, também, que a gente descobre os exibicionistas. Os adolescentes inseguros querem que você saiba que tipo de música que eles gostam e para tanto utilizam-se de celulares que possuem o volume mais alto que muitos rádios. Já outros, especialmente homens, das mais variadas faixas etárias, decidem assistir o jogo de futebol, às quartas-feiras, também com o volume estourando. Além de ouvir o narrador, você ainda fica sabendo para qual time o sujeito torce e, de quebra, ouve uns palavrões que deveriam atingir os ouvidos do “juiz filada ....!!!”. Mas as mulheres também tem sua parcela exibicionista que é manifestada através de celulares de última geração. As longas conversas, em voz bem alta, com amigas, primas, namorado, mãe, vizinha e mais uma infinidade de gente, são uma diversão e um tormento para os outros passageiros. Através dessas ligações você fica sabendo que a Juliana é uma falsa, a Cristina falou da Tatiana para a chefe, a Laura esta namorando com o Renato e talvez role alguma coisa com o Fernando. 

A terceira idade também possui diversidade. Há aquelas senhoras respeitáveis que frequentam a paróquia do bairro, usam camiseta de “eu fui na Capela de Nossa Senhora Aparecida” e têm como assuntos prediletos toda a gama de doenças e tragédias do momento. Já a outra turma de idosos é mais festeira, sai à noite, pinta o cabelo, passa batom ou usa chapéu, é adepta de perfumes fortes e ignora a proibição de entrar no ônibus com bebida alcoólica. 

Não posso deixar de fazer uma menção honrosa aos estudantes individualistas com fone de ouvido e livros nas mãos, os trabalhadores que só querem chegar em casa logo e aos pedintes que acabaram de sair da cadeia ou que estão sem gás em casa ou que a filha está doente e está internada desde ontem (toda semana! Que falta de gás, que falta de saúde, que reincidência criminal!). 

A Prefeitura sempre cola uns cartazes para orientar o comportamento dos usuários de transporte público. O senhor que le o cartaz de “não fique nos degraus”, enquanto estava nos degraus, e não se move um centímetro. Os jovens amantes da música leem o informe sobre ouvir o som apenas com fone de ouvido para não perturbar os outros e riem. Parece que o poder público não alcança essa gente. Mas tem uma coisa que é infalível: a reclamação coletiva. Alguém resmunga “nossa, não tem fone de ouvido...” ao que outro alguém responde “acham que a gente é obrigada a ouvir isso!”. Então o som do dito celular vai se abaixando gradativamente. Outro exemplo disso é quando um idoso entra no ônibus e um passageiro sussurra “ninguém levanta para ele”, mais um ou dois comentários assim e alguém cede o lugar. Porque quem anda de ônibus junto é tão íntimo que tem até seu próprio código de conduta e sistema regulatório.

Priscila Fernandes da Silva (AgênciaJor/Uniso)

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