Foi a extinta TV Manchete que, no começo, trouxe os anime para a TV aberta, fazendo com que
ganhassem fama pelo Brasil. O ponto alto da programação da emissora girava em torno
dos desenhos animados, fossem americanos ou japoneses. Uma febre na época foi o
anime Cavaleiros do Zodíaco (Saint-Seiya). Com as músicas e as vendas
de action figures — bonecos que
representam um personagem, geralmente colecionáveis — Seiya e sua turma foram a
porta de entrada para um grande público. É o caso de Fred Oliveira, hoje com 30
anos, criador do canal Anime Whatever,
com mais de 1 milhão de escritos no YouTube.
“Sou da famosa ‘Geração Manchete’”, Oliveira conta. “Nessa
época, os anime estavam em todos os
programas infantis, de todas as TVs abertas. Não importava se você era um nerd ou um aluno do fundão. Todos
assistiam anime, pois eram os
desenhos que de fato chamavam atenção. Falei ‘desenhos’, porque, até então, era
como todos chamavam. Não foi uma escolha, como é hoje com a internet, em que a
criança ou o adolescente simplesmente escolhe o que quer assistir. Foi algo
natural e todos que nasceram na época consumiam anime diariamente.”
Com a melhoria da qualidade de banda da internet brasileira,
além de assistir as animações, os fãs começaram a buscar na internet a
variedade que a TV não disponibilizava. A alternativa surgiu por meio dos fansubs, episódios legendados por fãs
para fãs, disponibilizados de forma gratuita em sites clandestinos, uma herança
dos primeiros fansubs que surgiram
nos Estados Unidos, ainda em VHS. Os episódios eram compartilhados diretamente
do Japão, por quem tinha acesso, e legendados pelos próprios fãs, sem fins
lucrativos. Muitas vezes, o objetivo era divulgar uma diversidade maior de
títulos, com a intenção de forçar as distribuidoras brasileiras a adquirir os
direitos de transmissão das obras. Porém, isso não se confirmou, já que, muitas
TVs abertas acabaram com a programação de desenhos em sua grade, o que fez a
procura desse conteúdo aumentar na web.
Como um dos fãs ativos no período, Oliveira confirma
a importância que os sites piratas tiveram para formar um grande mercado de
admiradores: “Sem o movimento fansub,
sequer existiriam os otaku como
existem hoje. Sem eles, a cultura pop japonesa morreria com o fim dos anime na TV aberta, deixando espaço
apenas para os anime infantis que a
TV fechada continuou a trazer, como, por exemplo, Pokémon, Beyblade e Yo-Kai Watch.
Mas, graças aos fansubs, essa massa
de fãs de anime foi criada e, assim, os serviços oficiais passaram a existir”.
A legalidade dos serviços de fansub começou a ser questionada quando os sites dedicados à
prática passaram a ganhar dinheiro com a exibição pirateada dos anime, sem adquirir os direitos autorais
de maneira legal, mas monetizando a partir de anúncios e até mesmo oferecendo áreas
VIP.
A discussão sobre os prejuízos da pirataria online ganharam ainda mais força depois
da divulgação dos dados do MAG Project (Manga-Anime Guardians Project), uma
campanha de conscientização sobre a pirataria, que divulgou uma estimativa dos
prejuízos causados, que chegam perto dos US$ 20 bilhões. A campanha mostrou que
o acesso dos fãs ao material pirateado na internet prejudica a indústria otaku, pois as editoras de mangá e as
produtoras de anime, com esse desfalque no seu orçamento, deixam de financiar
novos autores e obras inéditas. Os dados foram apresentados como parte da tese
“Poppu Karuchaa: Mediações da cultura
pop nipo-brasileira no cenário digital”, de Mariany Tomirayama Nakamura,
defendida na Universidade de São Paulo (USP) em 2018.
O argumento dos fãs para recorrer à pirataria pode
ser dos mais variados, desde a facilidade e a diversidade de títulos até a
falta de condição para pagar pelos serviços oficias. Uma reclamação de parte
dos fãs brasileiros é em relação ao contrato de exclusividade que os serviços de
streaming têm com as produtoras. É o
exemplo dos animes The Seven Deadly Sins
(Os Sete Pecados Capitais), da Netflix,
e Attack on Titan (Ataque dos Titãs),
da Crunchyroll, ambos com contrato de
exclusividade, obrigando os fãs escolher entre os dois, se não tiverem dinheiro
para assinar ambas as plataformas. Assim, muitos espectadores recorrem à pirataria
para assistir a uma ou outra série de maneira pirateada. Outra explicação é que
nem todos os meios oficiais no Brasil têm em seu catálogo todos os anime da temporada, seja por pouca
relevância ou por problemas em negociar com as produtoras. As fansubs seriam assim, o único jeito de
acompanhar os lançamentos diretamente do Japão.
Ele, que no Brasil também é um autor pioneiro do
gênero ligth novel — como são
chamados os livros japoneses para jovens adultos —, diz que tenta analisar as diferentes
opiniões sobre o assunto. “Sempre gostei de enxergar os pontos positivos dos
dois lados. Imagine se meu livro é pirateado e se torna um sucesso em massa.
Acho que seria mais vantajoso ainda, não concorda? Na minha época, só consumia
produtos originais quem era rico. Atualmente os valores são
super acessíveis. Nós temos Netflix,
Crunchyroll, Amazon Prime, Spotify… Então incentivo sempre o acesso por
meios oficiais, mas, sem a fansub,
ainda ficaríamos sem um acervo enorme de animes aqui no Brasil.”
Para combater a pirataria online, a plataforma de streaming
Crunchyroll, especializada em anime, disponibiliza títulos do seu
catálogo de forma gratuita, desde que o usuário espere uma semana a mais e se
disponha a assistir algumas propagandas no meio dos episódios, como ocorre em outras
plataformas de vídeos. Além de possibilitar que os fãs assistam da maneira
correta, a visualização de maneira legal ajuda tanto na divulgação quanto na
criação de novas obras.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Vinicius Lara
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