“Só nos
diziam que a gente nasceu para sambar, e a gente tinha que provar que não. É
por isso que existe a necessidade de se organizar, de interferir no mundo; não
podemos deixar para depois, e não podemos deixar que outros digam o que somos
capazes de fazer. Então nós temos de agir. Se eu não agir, como negra, quem irá
fazê-lo por mim?”
A defesa,
emblemática, é da professora Ana Maria Mendes, que estuda a cultura africana há
mais de 30 anos, e faz referência à importância que o Núcleo de Cultura
Afrobrasileira (Nucab), da Universidade de Sorocaba (Uniso), vem tendo ao longo
de quatro décadas para a comunidade de Sorocaba e região.
A
origem das culturas africanas começa muito antes da chegada à América em um navio
negreiro, como destaca a professora. Segundo Mendes, as raízes culturais africanas
não eram devidamente reconhecidas: “Quando a Nucab começou, há quarenta anos,
não se falava tanto sobre a história do negro, como se o negro não tivesse
história.” Houve muitas tribos, com costumes muito diferentes, que foram
trazidas ao Brasil e, com isso, a cultura africana teve de se reinventar. “Em
cada senzala foi criada uma linguagem a partir de um pouco de cada tribo,
formando uma nova cultura, para que eles conseguissem sobreviver e, por isso,
muita coisa se perdeu.”
As
mulheres tiveram — e
ainda têm — um papel essencial para
a continuidade dessa cultura híbrida. “Na maior parte das sociedades africanas,
a mulher tinha a responsabilidade sobre a manutenção dos costumes; era ela quem
conversava com a criança, contando a história de vida da comunidade. Então, é
muito presente essa visão que o brasileiro tem da negra velha e forte, que
enfrentava todas as dificuldades e fazia o povo crescer, mesmo após quase 500
anos de contato do negro com a sociedade brasileira.”
É esse mesmo
senso de representatividade que Nilza da Silva, 43, que também é professora,
tenta transmitir a seus filhos e alunos. “Por meio do meu estilo, da minha
maneira de pensar, de me vestir, de agir e de interagir, mostro o quanto é
importante valorizar sua cultura. É por meio disso tudo que eu passo a eles o
valor das nossas raízes como cidadãos negros”, diz Silva. Ela leciona no Ensino
Fundamental em uma escola no povoado de Lagoa da Lage, pertencente a Ituaçu, na
Bahia. Além de mostrar para seus alunos os elementos da cultura afrobrasileira
presentes no seu dia a dia, ela leva para sala de aula exemplos de superação e
resistência: “Mostro a eles negros que venceram e que estão buscando os seus
ideais, mesmo com tantos o obstáculos. Mostro artigos que representam negros
que se superaram no esporte, na literatura, no teatro, na televisão, no cinema...”
Ainda assim, ela confessa que é difícil encontrar uma narrativa em que o branco
não seja o protagonista. Para Silva, isso não é novidade, já que ela não se
sentia representada pelas novelas e séries vistas na TV. “Nunca vi sequer um
negro na televisão, a não ser em novelas que falavam de escravidão, ou em
produções em que a criança pobre era negra, filha da empregada.”
Tauane
Oliveira, 18, jovem negra em busca de conhecimento sobre suas raízes, compartilha
do mesmo sentimento. Ela diz que não se sentia representada, ao longo de sua
infância, pelos livros e filmes, e considera que atualmente ainda não houve uma
grande mudança na forma de se representar a população negra. “Acho que nenhuma
criança negra se sentia representada, começando pelas características físicas
dos personagens, sempre brancos, tanto em livros quanto filmes e desenhos. A
realidade dos personagens também era muito diferente da que eu vivia: a
estrutura familiar era sempre composta por pai e mãe, a famosa família
tradicional, e os problemas com os quais as personagens tinham de lidar também
eram bem diferentes.”
É claro
que há sinais de mudança; o blockbuster
Pantera Negra (Black Panther), da
Marvel, é um exemplo óbvio, por apresentar um elenco majoritariamente negro em
papéis fortes como o da princesa Shuri, do reino de Wakanda, responsável pelo
desenvolvimento tecnológico do país africano fictício. Mas é preciso trazer
essa mudança, também, para a realidade brasileira; todas as mulheres desta
reportagem concordam que ainda há muito o que mudar. Com a população negra
superior a 50% dos brasileiros, Oliveira comenta que, apesar de um número tão
expressivo, a realidade nas telinhas tupiniquins ainda é bem diferente: “Não é só
porque temos o Pantera Negra que as coisas vão bem. A representatividade
aumentou, mas ainda não é suficiente.”
O Nucab foi criado justamente para resistir a essas dificuldades de
representatividade e posicionamento da comunidade negra nas escolas, nos
programas de TV, nos comerciais e no mercado de trabalho. “Para nós, o grupo
vem sendo muito importante, porque nós temos um nome, uma bandeira. Na época,
há 40 anos, nós conseguimos juntar quase 40 jovens negros escolarizados numa
cidade do interior e isso não era tão fácil naqueles dias. Descobrimos coisas
incríveis que a nossa educação deixou de lado.”
O grupo está aberto a todos que se interessam pela cultura
afrobrasileira. Os encontros acontecem aos primeiros sábados de cada mês, no 5º
andar da Biblioteca Aluísio de Almeida, na Cidade Universitária Professor Aldo
Vannucchi (Rod. Raposo Tavares, km 92,5, Sorocaba). Para mais informações,
basta entrar em contato pelo telefone (15) 2101-7164 ou pelo e-mail
nucab@uniso.br.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Joice Rayane Barros, Maria Eduarda Lago e Vinicius Lara
0 comentários:
Postar um comentário