Dribla um. Dribla outro.
Pernas tortas que, em campo, confundiam até os jogadores mais experientes. Era
a Copa do Mundo de 1962, a disputa pelo segundo título mundial. O adversário: o
vizinho Chile. E lá estava o camisa 7 da seleção brasileira, atravessando o
campo rapidamente para entregar dois gols e a classificação para a final.
Manuel Francisco dos Santos, o “anjo de pernas tortas” mais conhecido como Mané
Garrincha, participou de três Copas do Mundo e, até hoje, é consagrado como o
maior driblador da história do futebol.
É fato sabido, contudo,
que, após se despedir de sua carreira devido a complicações em sua condição
física — ele tinha uma distrofia na perna direita —, o jogador se afundou no
álcool, em decorrência do qual acabou perdendo a própria vida, vítima de uma
cirrose hepática. E ele não está sozinho nessa estatística; dados divulgados
pela Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS), atualizados em janeiro de 2019, mostram que, por ano, 3 milhões de
pessoas morrem em decorrência do uso nocivo do álcool, representando 5,3% de
todas as mortes que ocorrem no mundo.
Kleber Trevisam,
professor de Educação Física na Faculdade de Educação Física de Sorocaba (Fefiso),
destaca que, no mundo dos esportes, a cobrança é muito grande, além do fato de
as coisas se tornarem mais fáceis e acessíveis a atletas profissionais que
acabam virando celebridades. “Por vezes o indivíduo começa cedo nos esportes”,
ele diz. “E quando ele começa a se estabilizar, ganhando dinheiro e patrocínios,
vem o deslumbramento. São muitas as responsabilidades e cobranças para um
atleta jovem.” A bebida, nesse sentido, pode servir de apoio nos momentos de
instabilidade.
O consumo excessivo de
álcool tem relação direta com mortes, doenças, lesões e uma série de
transtornos mentais e comportamentais, além de um impacto negativo no
desempenho esportivo. Mundialmente 5,1% das doenças e lesões são relacionados
ao consumo de álcool. Outros dados da OPAS/OMS apontam que 13,5% das mortes
ocorridas na faixa etária dos 20 aos 39 anos são atribuídas ao álcool.
Luis Felipe Teixeira, professor de Educação
Física na Universidade de Sorocaba (Uniso), destaca que, no organismo, o álcool
pode agir como euforizante, causando posteriormente uma depressão dos sentidos,
que é um mecanismo de compensação. Paralelamente, faz os rins filtrarem mais
água, o que pode levar à desidratação, dependendo do caso, especialmente quando
se trata de atletas. “O atleta também acorda com ressaca e inchaço. Mesmo sendo
diurética, a bebida causa retenção de sódio, o que é um problema, pois o atleta
depende que os seus fluidos orgânicos estejam muito bem equilibrados para gerar
energia, desprezar calor e, por conseqüência, melhorar o desempenho. Além
disso, o álcool causa depressão da atividade neural, o que vai fazer com que o
atleta não consiga recrutar os músculos da maneira como deveria. Certamente o
consumo do álcool vai gerar um efeito negativo no desempenho de qualquer
atleta”, explica Teixeira.
Mas a condição pode ser
reversível. “Um atleta alcoólatra, se for tratado, consegue, com o tempo,
voltar a ter o rendimento próximo, igual ou até melhor do que antes. Tudo
depende da quantidade do consumo. A única exceção é se o consumo foi muito
intenso, chegando a causar alguma doença crônica como a cirrose hepática”,
destaca o professor.
Vício e tratamento
Segundo a OMS, o
alcoólatra é o indivíduo que desenvolve o hábito de consumo excessivo, em que a
dependência causa danos e transtornos mentais, físicos, sociais e econômicos.
Para a psicóloga Alessa
Rodrigues Gallio, os fatores para alguém chegar ao alcoolismo podem ter origem
cultural e genética: “A predisposição cultural acontece pelo fato de a bebida
ser apresentada como uma forma de fuga socialmente estabelecida. Já a
predisposição genética acontece de maneira orgânica.” Gallio reforça que
existem muitos caminhos que levam à bebida e ao vício, questões subjetivas que
dependem da história de vida de cada indivíduo.
A nutricionista Nathália Espin defende que, para
um atleta em tratamento contra o alcoolismo, o ideal é conciliar o tratamento
psicológico ao dietético. Ela comenta que o álcool é um alimento como qualquer
outro, que tem cerca de 7 cal/g (calorias por grama), e, como os atletas
costumam ter uma alimentação regrada e contabilizada, acabam somando esse valor
à ingestão total, ou substituindo algum alimento importante. “Por ser algo ‘tóxico’ ao
organismo, que não pode ser armazenado, nosso corpo muda as vias de
metabolização, deixando de lado a oxidação lipídica, ou seja, favorecendo o armazenamento
de gordura”, ela complementa.
Superação
Muitas pessoas também
usam o esporte para superar problemas relacionados à saúde mental e à
dependência química, como é o caso do nadador americano Michael Phelps, o maior
medalhista de ouro olímpico. Após a derrota nos 200m borboleta nas Olimpíadas
de Londres, em 2012, ele enfrentou um período de decadência na carreira. Foi
visto em várias noitadas, além de não ganhar nenhuma final no Campeonato
Nacional Americano em 2014. Logo veio a suspensão, após ser visto dirigindo
embriagado em alta velocidade.
Phelps encontrou seu
equilíbrio após ficar internado em uma clínica de reabilitação por seis
semanas. Depois disso, com o apoio da família, ele voltou a nadar e ter seu
condicionamento físico de antes. Nas
Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, ele encerrou sua carreira brilhantemente
com o total de 28 medalhas olímpicas conquistadas em toda sua trajetória nas
competições.
Onde procurar ajuda?
Serviços públicos estão disponíveis em diversas regiões do
país para o tratamento de dependentes químico. Um exemplo é o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS), com unidades espalhadas por todo o território nacional,
que prestam serviços de saúde à comunidade e são constituídas por equipes
multiprofissionais que, além do tratamento de pessoas com transtornos mentais,
também auxiliam dependentes químicos.
Além do CAPS, existe a irmandade de homens e mulheres
Alcoólicos Anônimos (AA), que consiste em uma ONG voluntária com sedes em todo
Brasil, onde se reúnem pessoas que têm ou tiveram problemas com o álcool.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Júlia Natarula e Monique Nunes
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