sexta-feira, 6 de julho de 2018

Feminicídio: discutir ou consumir?

O assassinato de Patrícia Koike em Nova Iguaçu (RJ) tomou conta dos noticiários da região. A jovem de Sorocaba havia se mudado para a cidade carioca com o namorado Altamiro Lopes dos Santos para ingressar no cursinho pré-vestibular enquanto Altamiro cursava medicina. Os dois viviam juntos há um ano e meio na baixada fluminense por conta dos estudos. Segundo amigos próximos não demonstravam comportamento agressivo e estavam juntos desde o ensino médio, um namoro que teve início em Sorocaba.
O crime ocorreu no dia 9 de abril, o carro de Altamiro estava estacionado em um posto de gasolina enquanto tentava reanimar a namorada, frentistas prestaram ajuda e acionaram a polícia. De acordo com os médicos que receberam Patrícia, a estudante já estaria sem vida há mais de 24 horas. O ocorrido é mais um caso de feminicídio no país, apesar da lei garantir que os responsáveis não saiam impunes os episódios ainda amedrontam muitas mulheres. Em 2015 entrou em vigor a alteração do artigo 1º da lei 8071/90, foi incluído no código penal uma nova modalidade de homicídio qualificado, o assassinato do gênero feminino devido a condição do sexo. A nova lei estabelece aumento de pena para os responsáveis da violência doméstica e familiar.
Considerado um crime hediondo no Brasil, o feminicídio significa a morte intencional do público feminino, sendo ele praticado por seus parceiros ou não. Em declaração Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, define os crimes dessa classificação como “assassinatos cruéis e marcados por impossibilidade de defesa da vítima, torturas, mutilações e degradações do corpo e da memória”. Segundo a Organização das Nações Unidas, a taxa de feminicídios no território brasileiro é a quinta maior no mundo, 4,8 para 100 mil mulheres sendo a maioria das vítimas negras e os responsáveis parceiros ou ex-parceiros que discriminam, maltratam e tiram a vida.
O ocorrido movimentou os veículos de comunicação, desde sua divulgação o caso foi acompanhado em detalhes pelo público. A exposição da vida pessoal da vítima foi pauta durante todo o mês de abril. Sua convivência com familiares, amigos e pessoas próximas renderam conteúdo para ser transmitido nos veículos da região, em especial os sites de notícias e telejornais diários. Foram coletados depoimentos dos pais e do tio abordando assuntos como planos futuro da filha, estudos e personalidade de Patrícia alimentando a curiosidade de populares, assim consequentemente rendendo audiência para a mídia. Essa disponibilidade dos meios de comunicação em abordar questões de violência se da ao fato de que grande parte do público tem preferência para notícias desse tema.
O velório de Patrícia foi disponibilizado pela mídia sorocabana para todos que tivessem interesse em presenciar o momento do sepultamento pudessem ter acesso. O enterro de uma jovem que foi torturada e assassinada, pelo parceiro em quem depositava confiança, foi entregue aos veículos de comunicação como um espetáculo que deveria ser assistido pelo público. Enquanto todos "presenciavam" a jovem sendo sepultada a violência contra o público feminino continuava sendo um problema social. Poucas discussões abordaram o fenômeno que gira em torno do feminicídio, o momento certo para que esse tema se tornasse uma questão de interesse público chegou, e foi desperdiçado ignorando mais uma vez a falta de informação sobre os direitos e preconceitos que cercam o gênero feminino.
O episódio demonstrou que o papel social a que o jornalismo se submetia, informar e questionar os problemas sociais, passa a ter como objetivo liderar a audiência da mídia. Transformar crimes, sofrimento e perdas em consumo na indústria cultural tornou-se rotineiro nos maiores veículos de comunicação. Notícias e reportagens desse gênero fogem do seu dever em discutir falhas na segurança para dar lugar ao sensacionalismo. Assim deve-se policiar a conscientização do ato de violência contra a mulher e apresentar formas de combater, para que assim os noticiarios auxiliem na construção de um caráter social íntegro.

Texto: Évelyn Azevedo

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