Os eventos começaram pela manhã, com um
ato ecumênico na Capela João de Camargo, no Parque Campolim. Segundo o
presidente do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de
Sorocaba, José Marcos de Oliveira, o ato ecumênico tem por objetivo, relembrar
e consagrar João de Camargo, que foi um dos maiores líderes espirituais negros
da cidade. “Ele lutou e resistiu às mais diversas pressões. Sua luta não pode
ser esquecida, tem que ser lembrada hoje e pelas gerações futuras”, afirma José
Marcos. O ato, que acontece anualmente desde 2003, contou com a presença de
diversas representações religiosas de Sorocaba e região. “Para o capitalismo, é
apenas mais um feriado, mas para nós não. Estar aqui na capela é uma forma de
recarregar nossas energias espirituais para conseguirmos continuar na luta.
Esse dia veio para coroar uma luta de séculos”, declara José Marcos,
enfatizando a importância do evento.
O ato contou também com a apresentação de
grupos de Maracatu da cidade. Para a batuqueira e integrante dos grupos Maracatu
Mukumby e Baque Mulher, Adriana Proença, a presença dos grupos no
ato ajuda a resgatar a matriz africana que fundamenta todas as comemorações deste
dia. “Os negros que viviam em Recife-PE eram proibidos de cantar para seus
santos. Através do Maracatu, eles conseguiam disfarçar e realizar suas práticas
religiosas sem que a igreja percebesse. Quem os via, achava que estavam apenas
dançando ou brincando”, comenta Adriana.
Capela João de Camargo, Parque Campolim - Sorocaba |
Marcio Brown (Marcha Preta) e José Marcos de Oliveira (Conselho da Comunidade Negra) |
Adriana Proença, batuqueira de grupos de Maracatu |
Marcha Preta
Após encerramento do ato ecumênico, o
público caminhou até a praça Frei Baraúna, no centro da cidade. Durante o
evento chamado de Marcha Preta, os participantes fizeram pedidos por respeito,
igualdade, fim do racismo, e exclamaram gritos de ordem, em homenagem a Zumbi
dos Palmares e sua esposa Dandara. O movimento, que inicialmente ocorria na
Zona Norte de Sorocaba, acontece pelo 5º ano consecutivo. Segundo Marcio Brown,
um dos organizadores, o intuito de unir o ato ecumênico com a marcha foi ocupar
maior espaço dentro do cenário sorocabano e conquistar mais visibilidade para a
causa. “Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais
da metade da população brasileira é negra. Mesmo assim, ainda somos invisíveis,
muitas vezes. Ocorre uma distância muito grande em relação às políticas
públicas”, declara Brown. “Aumentou o número de negros em universidades, ótimo,
mas o número de violências contra negros também. Sermos maioria, mas não sermos
reconhecidos, é um retrocesso tal qual a escravidão”.
Após encerramento do ato ecumênico, o público caminhou até a praça Frei Baraúna |
Feira na Praça Frei Baraúna
Realizada há mais de 8 anos, a Feira
Crespa contou com barracas que ofereciam produtos que iam desde o artesanato
até a gastronomia. Para participar do evento, os empreendedores fizeram
inscrições na Coordenadoria de Igualdade Social de Sorocaba. “Aqui é onde a
gente finaliza. Depois do ato político da Marcha Preta, nós viemos aqui
prestigiar o trabalho dos empreendedores negros de Sorocaba. Aqui eles podem
mostrar tudo o que eles criam no dia a dia. Apesar de ser um dia de grande
reflexão, precisamos ter um momento de lazer, cultura e comemoração”, explica
Marcio Brow, que também é um dos organizadores da feira.
A Feira Crespa contou com barracas que ofereciam desde o artesanato até a gastronomia |
Os visitantes puderam também assistir
representantes de diversos estilos musicais, como samba, rap, hip hop, MPB e
outros. “Desde a Jamaica até o Bronx, o hip hop surgiu de uma demanda social da
população negra. É primordial estar aqui, pois uma coisa está ligada a outra.
Precisamos fortalecer a classe”, argumenta Ewerton Oliveira, militante do
Movimento Hip Hop de Sorocaba há 15 anos, e uma das atrações da feira. Ele
comenta que, muitas vezes, o hip hop que toca em programas de televisão é
aplaudido, enquanto o que é feito nas ruas sofre preconceito. “Hoje em dia houve
uma gourmetização da música, perdendo sua verdadeira intenção, que é a
defesa da causa social”.
“Assim
como outros movimentos, o hip hop busca valorizar e dar voz ao povo negro”
Ewerton Oliveira (Movimento Hip Hop de Sorocaba).
Dificuldades e a importância do dia da
Consciência Negra
“Nossa
mensagem é como o sol. Muitos irão ver e receber os raios, outros não.
Mas
mesmo assim continuaremos ali emitindo” Marco Pereira.
Segundo Marco Pereira, psicólogo
sorocabano, pesquisador da cultura afro-brasileira, e que participa dos
movimentos há mais de 15 anos, a promoção de eventos para comemoração do dia da
consciência negra, ainda passa por dificuldades. Para ele, a cultura e a
educação em geral vêm sofrendo um grande retrocesso, por falta de apoio do
governo federal. A cultura negra, mais ainda, devido ao racismo, principalmente
o estrutural. “Por mais que você queira fazer algo de maneira independente,
você precisa de apoio do poder público. Para um banheiro químico, uma tenda,
guarda-presente e etc. Muitas vezes você se depara com uma burocracia misturada
com má vontade. Isso no fundo é um racismo estrutural, que desvaloriza a
cultura negra” afirma Marco. O psicólogo afirma também que esse tipo de eventos
serve para contrapor uma estrutura que muitas vezes tem, na outra ponta, alguém
que se omite, pois, de alguma maneira, se beneficia com essas desigualdades.
“Para a organização, sofremos muitos percalços. Às vezes, faltando 10 minutos
para o início, ainda se espera um sim, uma assinatura que não veio, entre
outras coisas que poderiam ter sido resolvidas bem antes. Mas mesmo assim nós
fazemos porque temos uma experiencia de resistência muito grande, que talvez
seja ancestral”, declara Pereira.
Questionado sobre a importância do dia da
consciência negra, Marco Pereira comenta que muitas pessoas não entendem o real
motivo desta data, questionam se esse dia não é uma forma de racismo também e o
motivo da não existência do dia da consciência branca. “O dia da consciência
negra marca o falecimento do Zumbi dos Palmares. Ao contrário do que muita
gente pensa, não um é um dia de comemoração. É uma data para ser usada para que
a sociedade se sensibilize e lembre que ainda existe a desigualdade e que ela
precisa ser olhada”, ele afirma. Com relação à sensibilização da sociedade,
Marco afirma que nesses 16 anos em que participa do evento, tem percebido,
através das relações que construiu, que as pessoas têm mudado seus
comportamentos, mesmo que não seja na velocidade e na forma que a classe negra
gostaria. “Muita gente não se sensibiliza, porque a sensibilização, muitas
vezes te chama também para uma autocrítica, e muitas pessoas não estão
preparadas ou não desejam isso”, ele explica. “É preciso pensar que os nossos
passos vêm de longe. A gente tem que sempre olhar para o que nossa
ancestralidade fez, nos inspirar e honrar o que eles fizeram para que
pudéssemos chegar até aqui, para daqui para frente, fazermos um lugar melhor
para quem ainda não chegou”, declara Marco Pereira, ao resumir qual é a
mensagem que essa data procura emitir.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto e imagens: Rafael Filho
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