Quando se fala em gamers, muita gente ainda imagina um
público majoritariamente masculino. Mas não foi o que constatou a última edição
da Pesquisa Game Brasil (PGB), de 2019, segundo a qual
58,9% dos jogadores nacionais são mulheres. O gênero feminino vem se destacando
nos resultados da pesquisa já pelo terceiro ano consecutivo. Esse número sobe
para impressionantes 80% quando são considerados somente jogos para celular,
segundo pesquisa do YouTube Insights, referente a maio de 2017. Mas, se são tão
numerosas, onde estão as jogadoras, e por que não são vistas?
Nos ambientes dos jogos, muitas gamers não se identificam por meio de avatares femininos,
justamente para não ser alvos de sexismo e machismo. Apesar de o gênero não interferir
necessariamente na habilidade de um jogador, é recorrente que as mulheres sejam
insultadas e subestimadas, ou que sofram assédio por parte de outros jogadores,
quando se identificam com usuários femininos.
“Eu já abandonei alguns
jogos, como o Counter-Strike, por
exemplo, por ter uma comunidade de jogadores muito tóxica. Lembro que na
primeira vez que entrei no jogo, já sem o microfone aberto, por saber da má
fama dos jogadores, a primeira frase que ouvi foi de um homem falando para
outra menina que estava na partida largar o jogo e ir lavar louça, que ela nem
deveria estar ali. Ouvir isso logo de cara desanima muito e, por isso, acabo
usando um usuário neutro”, relata Ingrid Peixoto, 19, ativa nos jogos online há dois anos. “As pessoas ainda
tendem a argumentar que as mulheres não estão em grandes organizações porque
não jogam bem o suficiente para estar na mesma posição que aqueles homens. Na realidade, por
mais que tenhamos conquistado um bom espaço nesses últimos anos, o que acontece
é que ainda faltam oportunidades e investimentos voltados às mulheres”, ela
diz.
A streamer
de jogos Amanda de Oliveira, 27, que, junto ao namorado, já passou de 1,7
milhões de inscritos e 480 milhões de visualizações em seu canal no YouTube,
intitulado “Dois Marmotas”, conta que já abandonou os jogos competitivos por
ter sido ofendida. “Por não focar em jogos competitivos e ter um canal junto
com meu namorado, hoje eu acabo não sofrendo com insultos do público e com
comentários sexistas. Mas quando você é mulher e está aprendendo um jogo, os
homens falam coisas horríveis. Já fui xingada em jogos como Overwatch, Apex e
League of Legends. Meninas que fazem stream
desses tipos de jogos acabam sendo insultadas diariamente. O machismo é algo
muito recorrente no mundo dos games. Eu passei por pouco, mas admito que
algumas ações que eu tomo são para evitá-lo, ou seja, não sou de jogar jogos
que precisam estar com microfone aberto”, ela conta.
Existe certa
pressão social que afasta as mulheres da profissionalização em áreas como a dos
games competitivos, o que muitas
vezes as levam a fazer algo a respeito: há meninas, por exemplo, que formam
grupos exclusivamente femininos para jogar competitivamente, a fim de participar
de campeonatos e conseguir patrocínio no esporte. O investimento nesse cenário
dos jogos de MMORPG, FPS e MOBA (confira o significado dos termos ao fim da
reportagem) vem crescendo, assim como o número de jogadores.
“Eu jogo desde
pequena, acredito que a partir dos cinco anos. Não acho que meu gênero
interfira em como eu jogo, assim como não acho que isso interfira na habilidade
de nenhuma mulher. Há uma questão estrutural da sociedade que é muito forte
nesse aspecto. Podemos ver que a maioria dos meninos conhece os jogos desde a
infância. Uma menina normalmente vai conhecer os games por conta do
namorado ou de amigos de escola, que já ganham um videogame desde cedo. Isso é
mais gritante com as pessoas da minha faixa etária”, desabafa Vanessa Tavares, 23,
que faz parte do time competitivo de League of Legends da Universidade de
Sorocaba (Uniso). “Por muito tempo, foi inegável que os jogos eram feitos
apenas para meninos. Mas as meninas de hoje em dia estão inseridas nesse mundo cada
vez mais frequentemente e, por conta do machismo, isso é difícil de se aceitar.
Eu queria que as pessoas parassem para pensar nisso quando entrassem no assunto:
quantas meninas em seu círculo social jogam desde pequenas?”
Hoje, o
investimento em times femininos e em jogadoras ainda é baixo, segundo Tavares.
“Faltam investimentos de grandes organizações em mulheres jogadoras e,
principalmente, em times femininos”, conta.
“Acho que não falta interesse da parte delas; falta coragem, pois elas
acham que não são capazes de evoluir profissionalmente dentro do jogo”, opina.
Um jogador é
prestigiado no League of Legends quando atinge o elo “diamante” — o elo, no jogo, diz
respeito à patente alcançada durante a temporada. Quanto melhor o jogador,
maior o elo, numa categorização crescente que se dá na seguinte ordem: ferro, bronze,
prata, ouro, platina, diamante, mestre, grão-mestre e, enfim, desafiante. Tavares é uma das jogadoras que atingiu sozinha
o elo diamante nesse MOBA.
Um dos desejos
dela é que as meninas possam entrar em peso no cenário competitivo. “O time
feminino é muito bom para dar espaço para as meninas, mas ele não rebate o
sexismo. O que vai rebater é quando tiver uma menina em um campeonato nacional,
jogando ao lado de três ou quatro meninos, ou talvez quatro meninas e um
menino”, diz, esperançosa.
Ela defende que as
meninas devem, sim, usar usuários femininos, apesar do assédio e do machismo. “Muitas
vezes, sendo mulher, eu não posso errar! Porque, se eu errar, eles vão ter
motivo pra me xingar e é o que eles sempre estão à procura. Mesmo assim, eu
tenho um usuário feminino, porque eu quero mostrar que sou uma mulher, que eu posso sim errar e que eu tenho
minhas dificuldades, mas sou tão jogadora quanto você que é homem.”
Para
entender as modalidades
• MMORPGs (Multiuser Massive Online Role Playing Games)
são jogos capazes de conectar um grande número de jogadores simultaneamente em
um mesmo espaço virtual;
• FPS (First Person Shooters) são jogos de tiro que se
caracterizam por ter o formato de visualização em primeira pessoa;
• MOBAs (Multiplayer Online Battle Arenas) são
jogos em que o jogador
controla um personagem em uma batalha entre dois times, cujo objetivo é
derrotar a base inimiga, com estratégia em tempo real.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Brenda Estefanni e Pedro Camargo
Imagem: Brenda Estefanni
Imagem: Brenda Estefanni
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