Qual é a primeira imagem que lhe vem à cabeça quando você
pensa em programadores? Se você imaginou um típico homem nerd, de óculos fundos, digitando rapidamente num teclado
alfanumérico, ou um magnata do Vale do Silício, é porque diariamente são essas
as referências estereotipadas reforçadas pelas mídias. Mas a analista de
sistemas Jullia Saad, 23, atualmente mestranda em Ciências da Computação pela
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), é mulher, tem cabelos curtos
tingidos de azul e já ganhou campeonatos como patinadora. Talvez ela não seja o
ideal de programadora que viria à sua cabeça num primeiro momento. E é
exatamente por isso que Jullia, junto a outras mulheres que trabalham com
computação, decidiram criar o Rails Girls Sorocaba, um evento anual de dois dias, sem fins lucrativos,
inspirado nos eventos desse mesmo projeto que acontece no mundo inteiro.
O Rails Girls é
destinado a mulheres de todas as idades, com o objetivo de oferecer uma
experiência em desenvolvimento de softwares, inspirar a criatividade e
desenvolver a autonomia.
Além de Jullia, o projeto conta com mais seis organizadoras e a última edição
do evento, realizada em julho deste ano, teve em torno de 30 participantes e 10
mentoras, número que cresceu desde a primeira edição do Rails Girls, em 2017.
“Aqui em Sorocaba, a ideia surgiu com as organizadoras Amanda Vilela e Ana
Gabriel, que, no final de 2016, participaram de um Hackathon na IBM e voltaram
super inspiradas, com vontade de conduzir algum projeto na região para
mulheres, já que aqui nunca tinha acontecido um evento de tecnologia totalmente
voltado para o público feminino”, conta Jullia. Ela também relata que, na
maioria dos eventos de computação que acontecem por aqui, o público é
predominantemente masculino, já que existe uma lacuna de gênero na área, e que
isso pode ser um intimidador para muitas mulheres que querem iniciar na
computação.
Uma pesquisa mundial conduzida este ano pelo site americano
de pesquisas sobre desenvolvimento de softwares, Stack Overflow’s, mostra que
aproximadamente 8% dos profissionais que compõem a área da computação no mundo
são mulheres. Dessas 1,2% são mulheres trans. Os Estados Unidos ocupam a
primeira posição no ranking de países com mais mulheres na computação, com
11,7%. Já o Brasil está na 13ª posição, com 5,2% em relação ao total de
profissionais da área no país. A pesquisa também aponta que, em todos os
lugares do mundo, os cargos mais altos são ocupados por homens. Além disso, a
pesquisa também mostra que as mulheres têm mais probabilidade de deixar seus
empregos na área.
A mestra em ciências da computação Maria Angelica Calixto,
que leciona no curso de Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Faculdade de
Tecnologia de Sorocaba (Fatec) e trabalha há 38 anos na área, conta que, quando
começou na computação, havia muitas mulheres trabalhando nesse meio,
principalmente como programadoras da linguagem Cobol, que é uma linguagem para
fins comerciais. Entretanto, por algum motivo, as mulheres foram levadas a crer
que esse não era um lugar para elas. “Eu vi uma diminuição das mulheres
envolvidas na programação, mas ultimamente noto que elas estão redescobrindo a
Tecnologia da Informação, e que há um esforço muito grande de comunidades
femininas da área, assim como de diversas empresas em fazer essa inclusão
acontecer. Além disso, noto que há um interesse crescente entre as mulheres. Mas
ainda não é o ideal.”
A professora também afirma que não há um fator específico
para a evasão das mulheres nos cursos relacionados à computação. “Um fator
alarmante é a falta de outras mulheres em sala de aula. Quando há mais
mulheres, veteranas principalmente, as novas alunas tem em quem se inspirar.
Portanto, é muito importante que o público feminino se ajude, para que haja um
apoio de ex-alunas que já estão no mercado de trabalho, dando motivação para as
iniciantes”, diz a professora.
Segundo a aluna de
Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Sthéffane Rodrigues, 21, que participou
da edição de 2018 do Rails Girls, em sua sala de 40 pessoas na faculdade,
apenas 10 eram mulheres, mas ao longo do curso o número caiu para três. A jovem
conta que nunca sofreu qualquer tipo de preconceito em sua turma, contudo
admite que o ambiente para uma mulher pode ser bem desconfortável, desde o
início da formação. Apesar de tudo, a estudante está motivada a seguir a
carreira que escolheu e conta como a sua experiência no evento foi um divisor
de águas. “Gostaria de crescer na área, me tornar uma UX designer e ajudar no
movimento de inclusão das mulheres no campo de tecnologia, para que um dia essa
não seja mais uma questão em aberto”.
Dica
de filme para quem quer saber mais
No cinema, o filme
“Estrelas Além do Tempo”, baseado em fatos reais e dirigido por Theodore Melfi,
ilustra a dificuldade das mulheres nesse meio desde meados do século XX. O
longa-metragem é uma adaptação da história de Katherine Johnson, Dorothy
Vaughan e Mary Jackson, três cientistas negras que trabalharam na NASA durante
a década de 1960. A trama aborda a dedicação do grupo formado por mulheres
negras no empenho à programação, o sonho de um cargo reconhecido e a
importância da atuação feminina nos bastidores da missão espacial que levou os
Estados Unidos a sair à frente da União Soviética na corrida espacial. Tudo
isso em um contexto histórico da Guerra Fria, durante a luta pelo fim da
segregação racial nos EUA e o início do movimento feminista.
Agência Focs / Jornalismo Uniso
Texto: Monique Nunes
Imagem: Divulgação | Facebook Rails Girls Sorocaba
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