Em busca de acolher e explicar
os problemas enfrentados por mulheres negras, a Defensoria Pública do Estado de
São Paulo organizou na sexta-feira, 5 de abril, a mesa redonda: ‘Feminismo
Negro – ativismo e protagonismo: lugares de fala da mulher negra’. O evento
contou com uma mesa de abertura composta por Maria Teresa Ferreira, Conselheira
do Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra; Nalida
Coelho Monte, defensora pública, coordenadora auxiliar do Núcleo Especializado de
Defesa do Direito das Mulheres; e Thara Wells, membro do Conselho dos Direitos
da Mulher de Sorocaba, que além de negra, representou as mulheres trans.
As falas da mesa de abertura
carregaram mensagens fortes sobre a vivência dessas mulheres, como o sentimento
de despertencimento que toda pessoa negra já sentiu em meio ao que elas
chamaram de ‘limbo da branquitude’. Esse sentimento, segundo Maria Teresa, se
deve ao fato de que as pessoas negras não sabem suas origens. Porém, ela
explica que a negritude precisa reconhecer e aceitar sua ancestralidade como
território africano, para entender que sua essência é fruto de força, fé e
religiosidade.
Thara Wells contou sobre as
dificuldades de estar em um recorte mais perigoso que o normal: ser trans
negra. Thara é uma mulher que considera ser nascida do preconceito, por ter
sido abandonada pelo pai branco que não queria um ‘menino’ mulato. Nem os
brancos, nem os negros a acolheram, porque, segundo eles, ela não era nem
branca, nem negra. Ela contou sobre quando precisou sobreviver da prostituição,
e desconstruiu a ideia de ser ‘dinheiro fácil’. Segundo Thara, é uma
persistência para continuar viva.
A mesa redonda contou com a
presença de Marcia Campos Eurico, coordenadora da Ênfase de Raça/Etnia do GTP
Gênero, Sexualidades, Raça/Etnia e Geração da Associação Brasileira do Ensino e
Pesquisa em Serviço Social e do Núcleo de Pesquisa em Relações Étnico-raciais e
do Serviço Social Carolina Maria de Jesus; Daia de Moura, mestra em educação,
arte-educadora, atriz e performer da Plataforma de Pesquisa Cunhãntã; e Renata
Rocha Ferraz, assistente social e pesquisadora de religiões de matriz africana
e brasileira, dançarina, cantora e arte-educadora.
As convidadas falaram sobre a
importância de se viver a cultura negra, o samba, o maracatu e o Candomblé, e
apresentou várias referências negras, como as cantoras Clementina de Jesus e
Jovelina Pérola Negra, a escritora Conceição Evaristo, a socióloga e vereadora
assassinada ano passado por milicianos, Marielle Franco, e Rafael Braga, preso
sem testemunhas com uma quantidade pequena de drogas, que contraiu tuberculose
dentro da prisão, e se tornou símbolo do racismo institucional e seletividade
penal brasileira.
A cantora Ananda Jaques abriu o evento sobre feminismo negro |
Segundo Daia de Moura, os
negros estão constantemente tentando ressignificar os ‘nãos’ que recebem de uma
sociedade patriarcal capitalista de supremacia branca. Ela comentou, também,
sobre a importância dos brancos estarem cientes do ‘inferno’ que a negritude
enfrenta todos os dias. Em sua fala, estavam muito presentes os termos:
quilombola, militância, legado e empatia.
Outro tema abordado pela mesa
foi o racismo estrutural e infantil, comentado por Marcia Campos, ao expor
dados que mostram que menos de 1% das doutoras são negras, e falou sobre as
dificuldades que uma criança negra sofre, principalmente dentro do sistema de
adoção. “O racismo estrutura o capitalismo [...] não basta não ser racista, é
preciso ser antirracista”, diz a coordenadora. Ela fala sobre as negras
periféricas que morrem realizando abortos, e sobre as mães solteiras que são
separadas de seus filhos pela condição financeira. Marcia acredita que o
feminismo e o movimento negro não podem ser comparados, isto porque enquanto as
mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto, as mulheres negras lutavam para
ter o que comer.
Com a abertura para perguntas
e reflexões, o público mostrou-se emocionado e representado pela mesa. Diversas
pessoas expuseram suas experiências e comentaram sobre suas dificuldades,
indignações e medos, diante do momento político brasileiro, o que chamaram de
‘retrocesso do país’. Porém, a reflexão feita pelo público, junto à mesa, foi
de que mesmo com a intolerância ‘saindo do armário’, o medo não pode ser um
agente paralisador, e sim um incentivo para ninguém soltar a mão de ninguém, e
continuar lutando.
Texto e fotos: Kally Momesso - Agência Focs / Jornalismo Uniso
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