Vozes femininas ecoam, indignadas, pelas ruas da
cidade de São Paulo. Elas imploram para que não ocorra o retrocesso de suas
conquistas. Elas suplicam pelo direito de andar livremente sem que sejam
assediadas. Elas entendem, assim como a filósofa Simone de Beauvoir, que basta
"uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das
mulheres sejam questionados”. O ato refere-se a outubro de 2015, quando milhares
de mulheres foram às ruas de grandes cidades brasileiras com o objetivo de
manter conquistas, como o direito ao aborto para mulheres estupradas, e
combater o machismo.
Três anos depois, em 2018, o acontecimento,
nomeado "Primavera Feminista", é tido como um reflexo do aumento de
mulheres no movimento feminista em diversas regiões do Brasil. A cidade de
Sorocaba não ficou de fora desse tipo de militância.
Giovanna Nunes, Maria Teresa Ferreira e Gabriela Pereira |
Gabriela se utilizava das redes sociais, de
palestras e de reuniões para dar visibilidade ao movimento social das pessoas
com deficiência. Dentro desse contexto, notou a existência das mulheres com
deficiência e sentiu a necessidade de encorajá-las a criar seu próprio
movimento em Sorocaba. "Ninguém falava sobre a mulher com deficiência, aí
eu comecei a levar as demandas que recebia delas".
A partir disso, Gabriela incentivou a criação da
primeira extensão do Projeto Ampara, denominado Ampara Mulher, em que defende e
discute políticas públicas voltadas para as mulheres com deficiência. "Eu
não tenho nenhuma deficiência, mas eu tenho aprendido muito com elas". Por
meio do Ampara Mulher, realizam mensalmente um café aberto ao público para dar
oportunidade a mulheres com deficiência de compartilharem experiências
pessoais.
Giovanna Nunes, 22 anos, estudante de Direito e
integrante do coletivo interseccional feminista Rosa Lilás, por sua vez, afirma
que o seu contato com o feminismo surgiu na internet, por meio da qual conheceu
o Rosa Lilás e começou a acompanhar as reuniões do coletivo. "Seguimos a
linha do feminismo interseccional, pois acreditamos que se não abranger todas
as mulheres, muitas outras ficarão excluídas. Entendemos que o feminismo tem
que englobar todas as mulheres”.
Ela ressalta que, além da página no Facebook, o
coletivo busca distribuir panfletos como meio de informar a população. Em relação
às atividades que realizam com as mulheres, organizam cine debates, rodas de
conversa e piqueniques. "Os piqueniques são uma forma que encontramos para
trazer as mulheres para dar aquele pontapé. Quando tem comida e uma roda de
conversa com assuntos mais amenos, conseguimos fazer as coisas fluírem mais
naturalmente".
Já a integrante do Movimento de Mulheres Negras
de Sorocaba (Momunes), Maria Teresa, começou a ter contato com o feminismo
através da filiação ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), por meio do qual
esteve próxima a movimentos sociais. Entretanto, conheceu o feminismo negro por
meio da União de Negros pela Igualdade (Unegro). Atualmente, busca colocar o
racismo e o preconceito como tema central dos debates de que participa.
“Vivemos em um país aonde o racismo é estrutural e compõe as relações. As
mulheres negras estão mais fragilizadas nessas relações raciais, pois vem de
uma construção histórica que se dá a partir da escravidão”.
Ela afirma que leva a discussão sobre o
feminismo negro, com o apoio da Coordenadoria de Igualdade Social, para a
Secretaria da Educação. Também retrata o mesmo tema em escolas e Conselhos
Municipais. "Sempre que somos chamados para falar sobre o racismo, fazemos
o recorte do feminismo negro como um elemento da luta das mulheres e
transformação da sociedade", destaca.
Maria Teresa Ferreira é integrante do Momunes |
Dificuldades enfrentadas pelos movimentos
Em relação aos desafios enfrentados pelas
pessoas com deficiência em Sorocaba, a idealizadora do Projeto Ampara destaca
três: saúde, educação e transporte. Sobre saúde, sente a necessidade de
especialistas na área e afirma observar dificuldades para conseguir recursos
como medicamentos, fraldas e realização de exames. Já na área do transporte,
critica a falta de acessibilidade e ônibus antigos que costumam quebrar
frequentemente. Além disso, Gabriela ressalta os desafios enfrentados pelas
mulheres com deficiência no feminismo. "A mulher com deficiência às vezes
está querendo falar, mesmo em rodas de conversa, mas ela não é ouvida. Por isso
precisamos que o movimento feminista esteja pronto para reconhecer essas
mulheres".
Do mesmo modo, Giovanna destaca como dificuldade
enfrentada pelas sorocabanas a falta de diálogo entre as redes de apoio para
mulheres. Dessa forma, relembra uma ocasião em que o Rosa Lilás realizou um
abaixo-assinado para que a Delegacia da Mulher funcionasse vinte e quatro horas
por dia. Conseguiram mais de dez mil assinaturas e obtiveram como resposta a
indisponibilidade de renda do governo estadual para atender ao pedido.
"Nós fizemos também uma pesquisa com relação ao mapa da violência da
mulher em Sorocaba. A cada quarenta dias, uma mulher é vítima de feminicídio.
Então não é uma coisa isolada. Mulheres estão morrendo por conta da omissão do
estado e do município".
A integrante do Rosa Lilás também ressalta a
dificuldade enfrentada pelo coletivo no momento de levar pautas do feminismo
para serem discutidas em escolas. Giovanna afirma que quando cedem espaço nas
escolas para conversarem com os alunos, oferecem um tempo muito reduzido,
equivalente à aula de apenas um professor. "Entendemos que a fase da
adolescência é muito importante para as meninas descobrirem o empoderamento,
pois é aí que começam os relacionamentos afetivos".
Já Teresa afirma a falta de informação como uma
dificuldade. Além disso, faz uma reflexão sobre o movimento negro em Sorocaba.
"Temos pessoas que se colocam como movimento negro, e isso é muito difícil
de lidar porque hoje em dia não discutimos mais o movimento negro enquanto o
movimento que fala só a respeito do preconceito. Hoje discutimos questões
raciais. Em Sorocaba tenho a sensação de que ficou todo mundo muito estagnado
nessas lutas pessoais de vaidade, poder ou demarcação de território, o que
acabou fragmentando o movimento". Também elogia a nova gestão do Conselho
Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e coletivos
feministas de Sorocaba, os quais, segundo ela, possuem uma visão mais ampliada
e discutem essas questões sociais.
Participação política
Em relação à participação das pessoas com
deficiência na política, Gabriela destaca benefícios dados e segregação por
deficiência dentro do movimento PcD como dificuldades. "Todas as pessoas
que me procuram querem fazer um projeto de lei para dar algo de graça. Não é
isso que queremos. Se todos conseguem trabalhar, por que a pessoa com
deficiência não pode estar no mercado de trabalho e ter autonomia para fazer o
que todos fazem? Vai ter que adaptar e vai demorar um pouco, mas nós queremos
isso: dignidade".
Por outro lado, ao comentar sobre a participação
feminina na política de Sorocaba — local em
que apenas duas mulheres foram eleitas vereadoras na última eleição —, Giovanna e Teresa destacam as cotas de
candidaturas por gênero nos partidos políticos como recursos ainda utilizados
apenas para estar de acordo com a lei, e não efetivamente para fazer com que
mulheres realmente ganhem eleições.
Giovanna também faz uma análise do cotidiano:
"Eu acho que tem a questão de que nós mulheres não fomos ensinadas que
estar dentro da política é um ato e lugar para nós. Quando estamos em reunião
de churrasco de família, onde estão as mulheres? Elas estão cuidando dos
filhos, lavando louça e fazendo a comida. Enquanto isso, os homens estão
conversando sobre a política. Inclusive, quando tem mulheres que entram nesses
debates com a família, é muito fácil você ver a opinião delas sendo
relativizada".
Do mesmo modo, Maria Teresa afirma que a questão
do voto é reflexo de uma sociedade sorocabana que ainda é conservadora. E
acredita que a união feminina pode aumentar o número de mulheres em cargos
políticos nas próximas eleições. "Estamos vendo, por exemplo, nesse
movimento contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro o peso da mobilização
feminina. Então, a partir do momento em que as mulheres vão tendo mais
capacidade de olhar para si como agente transformador, mais elas vão se
libertar dos grilhões que a prendem. Você vai se desprendendo desses
indicadores de feminilidade para poder alcançar um posto maior: o de ser agente
de transformação".
Texto: Carol Fernandes - Agência Experimental de Jornalismo (AgênciaJOR/Uniso)
Imagens: Arquivo Pessoal
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