terça-feira, 14 de maio de 2013

FREE BIKERS
Amizade que rasga o asfalto

Vento soprando contra jaquetas de couro. Uma sensação de se estar, ainda que pelo efêmero tempo de uma viagem, vencendo os limites impostos pela gravidade e pela distância. Duas rodas que não podem parar de rodar, porque parar significaria a queda, sugerem uma filosofia que pode ser aplicada à própria existência. Equilibrada sobre elas, uma legião trajada, sobretudo de preto, incógnita sob capacetes, cruza estradas de Sorocaba e de cidades e estados vizinhos como um cortejo que não desembocará em um enterro, mas sim no descerramento gradativo da fugidia significação da própria vida. Porque o mais importante para eles não é, certamente, o lugar onde se pretende chegar, mas o espetáculo bruto do caminho que conduz até lá e a diversidade de situações, paisagens, matizes de sons e emoções que ele pode provocar.

Desbravar, conhecer. Ser, simultaneamente, espectador e personagem. Fazer parte da paisagem e alterá-la humildemente, com o ronco estridente dos motores em paradoxo. Sentimento que pode ser resumido, mas nunca reduzido, em uma palavra que motociclistas conhecem para além dos dicionários: liberdade.

Lema - “Liberdade é, sem dúvida, um sentimento intrínseco a passear de moto”, diz Antônio Valdir, o Totó, 45, um dos diretores do tradicional moto clube ‘Free Bikers’, fundada em 1996, e que conta atualmente com 303 integrantes, entre homens e mulheres. Amizade e solidariedade completam a trinca de aspirações inscritas no lema em que se baseia o clube. “Amizade pelo espírito de contar com amigos e companheiros que gostam de uma mesma coisa e que dividem momentos bons e ruins ao lado de suas motos. Solidariedade, porque rotineiramente ajudamos entidades beneficentes e de pessoas necessitadas”, completa.

Desordeiros e outros rótulos - Criaram-se, ao longo da história social, vários mitos acerca da índole e conduta de ‘motociclistas em bando’. Como se um meio de se locomover pudesse servir de indício para algum crime ou o incentivasse, boa parte da sociedade torce o nariz aos que estão atrás de guidões. Para Totó, uma porção considerável destes rótulos pouco lisonjeiros deve-se à atitude de alguns motociclistas que assimilam erroneamente o espírito de grupo de um moto clube, usando-o o para práticas ilícitas e violentas. “O preconceito existe devido a alguns grupos que gostam de demonstrar que são maus e, até mesmo, devido ao fato de estar em grupo, abusarem de violência, intimidando os mais frágeis.”

Já com a polícia, o relacionamento, segundo ele, é bom. “Nosso relacionamento com a polícia é dos mais sérios e estreitos, pois todos nós respeitamos as regras de segurança e não temos medo de sermos fiscalizados. Ao contrário, gostamos quando somos fiscalizados.”

Embora aparentemente despreocupados e passageiros como pássaros que não podem ser domesticados, os motociclistas do ‘Free Bikers’ são exemplos reais de que, independente da atividade que se desenvolva, ela precisa estar pautada em valores sólidos. E, desde que haja paixão, supera-se os obstáculos invisíveis impostos pela moralidade corrente.

Paixão reunida - “Começou em uma reunião de um grupo de amigos motociclistas aficionados por belas motos e cujos espíritos integravam-se em um sonho único de liberdade. Formou-se então uma entidade beneficente, sem fins lucrativos e sem mensalidade. No entanto, realizando campanhas de solidariedade que consistem na arrecadação de uma cesta básica por integrante a cada três meses, que são direcionadas para entidades carentes de Sorocaba e região. Hoje é um dos maiores moto clubes do Brasil em uma única cidade!”, orgulha-se o também bombeiro Totó, e relembra: “Aprendi um ensinamento com meu pai que, para começar a ter respeito com uma moto, você tem que comprar a sua, e não ganhar. Minha primeira moto foi uma Vespa.”, referindo-se à popularíssima e charmosa motocicleta que fez a cabeça de muita gente entre os anos 50 e 60. ]

“A moto para mim é um brinquedo de criança, mas que cuido com muito respeito e admiração, especialmente, no tocante às regras de segurança e respeito ao trânsito. Significa momentos de paz, diversão, lazer, amizade, companheirismo e muita emoção. Prazer que só quem realmente gosta entende o que estou falando, pois a sensação de ‘rasgar o asfalto’ é única”.

Confraternização - São inúmeros os eventos promovidos pelo ‘Free Bikers’, todos com o intuito de unir ainda mais o grupo e torná-lo conhecido. “O motoclube também está sempre presente nos eventos organizados por outros motoclubes. Além das viagens aos sábados, também organizamos passeios em finais de semanas específicos para curtir com as esposas, além de reuniões mensais com as famílias. Esse passeio familiar ocorre em um domingo de cada mês, o qual chamamos de ‘Domingo Feliz’, onde ocorre um passeio motociclístico e um almoço de confraternização entre as famílias”, conta o diretor.

Para um motociclista interessado em ingressar no moto clube, há algumas regras primordiais. “Para entrar, basta ser apresentado, seguir o lema e as regras de segurança nos passeios e cumprir os princípios básicos do moto clube”. A associação com outros motoclubes também passa pelo crivo ideológico da diretoria do ‘Free Bikers’, que não vê a motocicleta como plataforma política, mas sim como símbolo de uma paixão instintiva, assim diz Totó. “Se forem clubes filantrópicos serão sempre bem vindos, mas se forem de reivindicações, movimentos sociais ou políticos, entendo que estão usando uma paixão para conseguir outros objetivos.”

Ele não titubeia e é enfático na resposta que define o sentimento que o move e move o motoclube que dirige, dada em uma única palavra: “Amizade!”



Lucas Montenegro (AgênciaJor/Uniso)

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