domingo, 30 de setembro de 2018

Associação ajuda surdos a descobrirem potenciais e alcançarem a inclusão na sociedade



“A sociedade precisa parar de pensar que o surdo precisa andar com um intérprete como se fosse uma bolsa”, diz a fundadora da ONG


“Quem vem para a associação sente uma paz e um amor muito grande”, conta Maria Ângela de Oliveira, professora universitária de Matemática e Língua Brasileira de Sinais (Libras) e fundadora da Associação do Amor Inclusivo (AAI). A entidade não tem fins lucrativos, foi fundada em dezembro de 2017, na Vila Progresso, em Sorocaba, e tem o objetivo de ensinar e capacitar pessoas com alguma deficiência, atualmente atuando com surdos e dois cegos.

Início
Maria Ângela conta que conheceu a Língua Brasileira de Sinais em 2006. Ela era catequista na igreja católica e nesse ano teve sua primeira catequisanda surda, assim, começou a aprender a língua para poder conversar com a jovem, na época, com 22 anos.

“Durante esse processo eu percebi as habilidades que ela tinha e senti que eu devia incentivá-la a entrar no mercado de trabalho. Ela era babá e dizia em língua de sinais para mim, que tinha nascido só para cuidar de bebê e de casa e eu vi o potencial dela”, relata a fundadora da AAI.

A partir daí, Maria Ângela passou a ensinar o básico de informática para a jovem e conseguiu introduzi-la no mercado de trabalho. “Aí eu comecei e outros surdos foram surgindo no meu caminho. Na minha casa eu comecei a ensiná-los matemática e (alfabetizar) aqueles que não eram alfabetizados, tanto na língua portuguesa quanto na língua de sinais, porque tem alguns que não sabem Libras”, diz.

Em 2011, a professora montou um Laboratório de Ensino Multidisciplinar (LEM), que era um lugar maior que sua casa. No ano de 2014, O Santuário Santa Filomena, localizado no Jardim Maria do Carmo, estava ensinando Libras para as missas e os coordenadores ofereceram um espaço maior do que Maria Ângela já tinha. “Fui para lá, mas só deu para ficar até o ano passado (2017), porque a gente começou a ganhar máquinas de costura, teclado, violão e quando chegaram três computadores não tinha mais onde guardar”, conta.

“Aí foi a hora em que eu senti no coração para ter a coragem de sair, alugar um espaço e regularizar a situação, porque até aí era aquela coisa bem caseira, de coração mesmo. E ao alugar esse espaço onde estamos, eu precisei registrar a associação. Hoje, ela é toda regularizada, tem o CNPJ, inscrição municipal, porque ela está crescendo e até para a gente receber ajuda financeira precisa ter toda essa formalidade”, explica.

Oficinas
A associação conta com diversas oficinas, como artesanato, aulas de música, pintura, capoeira, teatro, dança, matemática, língua portuguesa, língua de sinais, entre outras. Todas as aulas são ministradas por voluntários.

Surdos participam da oficina de teatro
“Para os surdos a gente pensou, eles não ouvem. Os outros sentidos  deles são muito fortes, então, se a proposta é trabalhar com música, a gente desenvolve métodos para que eles sintam o som”, explica Maria.

Na hora da oficina de música, Jorge Roberto, de 64 anos, que é surdo e alfabetizado, pega o violão e diz, com um sorriso no rosto que, com o instrumento longe do corpo não sente nada, mas, ao colocá-lo junto ao corpo, quando toca as cordas ele consegue sentir o som.

Sonia, de 64 anos, também nasceu sem escutar e diz que suas oficinas preferidas são as de pintura, costura, tricô e teclado.

Maria Ângela também conta que a forma de alfabetizar um surdo é diferente de alfabetizar alguém que ouve. “Para o surdo eu preciso mostrar a imagem, o que é concreto, escrever a palavra e antes de escrever eu trago o objeto em Libras para depois ensinar a língua portuguesa”.

Para quem pergunta qual é a importância de os surdos saberem o português, ela explica que é pelo fato deles viverem em uma sociedade ouvinte. “Tudo é escrito. Eles leem lábios, então a gente incentiva as pessoas ouvintes, que vem caminhar conosco a falar e usar as mãos simultaneamente, porque conforme os surdos vão lendo os lábios, eles passam a ler o português corretamente”.

A professora conta que um dia chegou uma senhora cega e perguntou se ela ensinava violão para surdo e, ao receber uma resposta afirmativa, perguntou se ela ensinava para cego também. “Ensino”, respondeu Maria Ângela.

“Aqui, além da gente incentivar os deficientes, nós somos incentivados, porque quando eu falo de desenvolver metodologia para eles, tudo isso vem como aprendizado. Quando chega um cego e diz: ‘você pode me ensinar?’ Eu penso que nunca aprendi braile, nunca aprendi como tocar violão para um cego e a gente passa a ir atrás. A gente passa a ser pesquisador nessa área também e isso dá uma satisfação muito grande”, relata a educadora.



Assistidos falam sobre o prazer de aprender

Sônia e Jorge conheceram o projeto de Maria Ângela por meio da missa interpretada na Catedral Metropolitana de Sorocaba. Ela em 2012 e ele em 2014, e os dois acompanharam de perto a conquista do novo espaço, onde a AAI funciona hoje.

Jorge mora em Piedade e frequenta a associação todos os sábados. Ele conta que estudou até o 2º ano do Ensino Médio, mas saiu porque não conseguia entender nada do que era ensinado, já que não havia um ensino próprio para surdos. É o mesmo caso de Sônia, que estudou até a antiga 8ª série do Ensino Fundamental. 

Com um brilho no olhar e um sorriso no rosto, os dois contam o quanto o trabalho da Associação do Amor Inclusivo é importante na vida deles e de todos os surdos.

“Os surdos e todos os deficientes precisam aprender”, diz Jorge. Sônia complementa, “é importante aprender português e muitas outras coisas”.

Para Maria Angela, todo esse trabalho é importante porque inclui os surdos na sociedade. “Quando eu consigo ver um surdo que passou por nós entrando em uma empresa ou voltando a estudar é uma grande realização. Quando vemos aquele que chegou sem saber nada, passamos a ensinar um pouco e depois encaminhamos para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), eu como professora fico muito feliz”, emociona-se Maria Ângela.

Sociedade
Uma das dificuldades que Jorge e Sônia encontram no dia a dia é o fato da família de ambos não saberem Libras. Apenas o sobrinho de Jorge e a neta de Sônia, que são crianças, sabem um pouco da Língua Brasileira de Sinais, porque eles estão ensinando. “Quando fico doente, a minha filha precisa ir junto ao hospital, porque como o médico não sabe Libras ela precisa ir para falar por mim”, relata Sônia, que também tem um filho surdo.

Jorge trabalha há nove anos na Prefeitura de Piedade escrevendo o patrimônio, notas fiscais e multas. Ele conta que até hoje não tem intérprete e precisa ficar lendo os lábios das pessoas. “Mas tem palavras que são difíceis e eu não entendo”, diz.

Maria Ângela conta a história de Moisés, um surdo que frequenta a Associação. Ela diz que ele tem uma habilidade com ferro e que faz vários objetos com o material. Durante uma conversa, ele acabou mostrando uma foto de um carrinho que tinha feito e ela resolveu fazer uma exposição na AAI. “Aí ele renasceu, porque nós começamos a vender as peças dele. Fazia um ano que ele não tinha vendido nada. A gente começou a vender, a incentivar e hoje ele não para de fazer as peças”.

Obras produzidas por Moisés, participante da AAI
Ela diz também que Moisés trabalha em uma empresa há oito anos e estava querendo pedir demissão, pois ele só aperta parafuso. “E a gente vê o potencial que esse moço tem, ele tem uma habilidade com a mão, é criativo e por ser surdo, fica encostado na empresa, não tem intérprete lá, então ela nem conhece o potencial desse funcionário”, relata.

Ela diz que esse é o objetivo da Associação, que todos os alunos que passem por ela desabrochem e que as pessoas vejam o potencial que eles têm. Incentivar aqueles que já sabem o potencial que têm e aqueles que ainda não descobriram.

“Nós não temos dó deles, porque nós brasileiros, a nossa cultura é olhar para um deficiente e ter dó. É errado, nós precisamos olhar para ele e perguntar, poxa, ele não escuta, não vê, não fala, não tem os braços, o que eu posso fazer para que ele perceba o potencial que ele tem?”, salienta Maria.

Ela complementa dizendo, “é encantador poder ajudar o outro, quantas vezes eu estou no hospital e chega um surdo e eu vou ajudar, porque enfermeira não sabe. A sociedade precisa parar de pensar que o surdo precisa andar com um intérprete como se fosse uma bolsa. O surdo tem direito, é lei que todo lugar tenha um intérprete”.

Voluntários
“No momento nós estamos vivendo com os voluntários, a gente pede ajuda de várias áreas, pode ser professor, alguém que faça manutenção etc. Uma vez caiu um fio e nós ficamos uma semana sem conseguir um eletricista que pudesse vir no sábado, porque nós não temos como pagar. Toda arrecadação mensal que fazemos, com rifa e pedindo, é para pagar o aluguel, água e luz que são as coisas que precisamos no momento”, conta Maria, ressaltando a importância dos voluntários para a causa

Para ser voluntário é preciso preencher um cadastro no blog da Associação: aainclusivo.blogspot.com




Língua Brasileira de Sinais não é obrigatória em todos os cursos graduação

Desde 2005, o Ministério da Educação (MEC) colocou como obrigatório o ensino da Língua Brasileira de Sinais nos cursos de Pedagogia, Licenciatura e Fonoaudiologia. Mas quem trabalha na área aponta que não é suficiente. “Não é só na escola que eles vão viver a vida toda, não é só no consultório e fonoaudiólogo que eles vão”, acentua Maria Ângela de Oliveira, professora universitária de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e fundadora da Associação do Amor Inclusivo (AAI).

Ela diz que o curso de Jornalismo na Universidade de Sorocaba (Uniso) é pioneiro em todo o Brasil a ter Libras como matéria obrigatória na grade e que seria muito bom se isso se tornasse realidade em todos os cursos. Ela comenta que, na Uniso, a matéria é optativa para os demais cursos, mas há faculdades em que não há nem esta oportunidade.

“Como optativa, muitos alunos dos cursos em que não é obrigatório, chegam lá caindo de paraquedas porque tinham uma folga na grade. E depois de um mês eles falam, ‘nossa professora, eu não tinha noção do que era essa disciplina, que bom que eu estou aqui’”, finaliza a professora.



Texto e fotos: Marcelo Gomes - Agência Experimental de Jornalismo (Agencia/JOR Uniso)

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